
Numa das minhas últimas formações sobre reprogramação de unidades de comando foi utilizada, como cobaia, a viatura de um dos formandos, neste caso em concreto um Golf IV 1.9 TDI VP, com as seguintes especificações originais:
Potência: 90 cv @ 3750 r.p.m
Binário: 210 nm @ 1900 r.p.m
1. Identificação de mapas
Antes de começar e embora esta seja uma electrónica antiga e simples de mapear (Bosch EDC15V), vamos identificar os mapas necessários para a reprogramação e desde já verificar os valores máximos definidos pelo fabricante, que permitem a produção da potência e binário acima declarados.

*Esta hexdump pode ser descarregada a partir da respetiva secção.
Listagem dos mapas
2. Análise da hexdump
Por forma a ser mais simples analisar a hexdump criei um gráfico onde podem ver, sobrepostas, as quantidades máximas nos diferentes mapas.

Desta forma é simples perceber que é o limitador de binário o responsável máximo pela quantidade de combustível que é injectada no motor, no entanto, é necessário dar especial atenção ao limitador por MAF já que este depende da quantidade de ar admitida que, num motor de combustão interna, depende da velocidade do motor e da sobrealimentação a que este está sujeito. Para que a análise pudesse ser criteriosa seria necessário conhecer o mapa de eficiência volumétrica deste motor, informação que não existe. Há no entanto uma aproximação que pode ser feita utilizando o mapa de consumo específico:

Este mapa permite-nos saber qual a quantidade de combustível, em gramas/kilowatt hora, utilizados em função da rotação do motor e da pressão interna (bmep). Ao mesmo tempo, sobre este gráfico, foram introduzidas as linhas de potência. Numa análise rápida podemos confirmar que é próximo das 3900 r.p.m que a linha dos 90 CV quase cruza com a linha de consumo, confirmando os dados do fabricante para a potência anunciada. Nessa zona estamos claramente na zona das 250 g/kw-hora. O mesmo acontece para a zona de binário máximo, imediatamente antes das 2000 r.p.m, onde a linha de consumo tem a marca de 200 g/kw-h e a potência é de aproximadamente 57cv.*
*57 CV @ 1900 r.p.m. correspondem a aproximadamente 210NM de binário, confirmando a especificação do fabricante para este motor.
No mesmo gráfico é possível determinar quais as quantidades, em gramas por ciclo, necessárias para as potências atingidas, senão vejamos:
57 cv @ 1900 r.p.m – 200 g/kw-h – Correspondem a aproximadamente 37 mg/ciclo de combustível. (37.5 mg/cyc na hexdump)
88 cv @ 3900 r.p.m – 250 g/kw-h – Correspondem a aproximadamente 34,5 mg/ciclo de combustível. (32.5 mg/cyc na hexdump)
Não sendo o ideal, este gráfico permite-nos perceber a variação da eficiência volumétrica do motor se se fizer uma análise da quantidade de combustível necessária para a produção de uma determinada potência, tendo em atenção que esta análise deverá ser feita em g/kw-h para que possam ser comparadas em termos absolutos. Utilizando como referência a linha dos 50cv verificamos que na zona das 1750 rpm obtemos um consumo específico de 197 g/kw-h ao passo que ás 4000 r.p.m esse valor sobe para as 280 g/kw-h.
Assumindo uma eficiência de 100% (valor de referência) para a zona das 1750 r.p.m, então às 4000 a eficiência é apenas de 70%, isto é, para produzir a mesma potência, os 50 CV, são necessárias mais 85g/kw-hora. Se extrapolarmos isto para uma viagem a 100km/h e a utilizar 50cv para manter os 100 km/h (se for a subir :P) iríamos ter um consumo de aproximadamente 7 litros para a viagem feita às 1750 r.p.m e de 10 litros para a mesma viagem feita às 4000 r.p.m. Em suma, o importante é perceber que quanto menor a eficiência volumétrica, menor o rendimento que obtemos por unidade de combustível injectado. Isto é particularmente importante para se perceber que ao aumentar a quantidade de combustível numa reprogramação os ganhos não são proporcionais ao aumento de combustível, sendo apenas proporcionais se analisarmos uma velocidade fixa do motor, isto para aumentos de potência comuns (os 20/30%) pois acima disto entram em linha de conta outros factores como a eficiência do sistema de injeção e de sobrealimentação.
3. Definição da reprogramação

Para esta programação definiu-se como objectivo um aumento de 30% de potência, no regime de potência máxima, e um aumento de 40% de binário no regime de binário máximo. Estas percentagens traduzem-se cerca de 300nm @ 1900 r.p.m e 115cv @ 3900 r.p.m. Estes são valores perfeitamente plausíveis para esta motorização, tendo apenas um especial atenção ao binário máximo que poderá ser demasiado para a embraiagem, mas, o dono estava avisado 🙂
O ponto de partida para esta alteração passa pela determinação da quantidade de combustível necessária para atingir os níveis de binário e potência desejados. Existem diversos métodos para o fazer:
- Comparação directa com outro carro – No nosso caso podemos comparar a hexdump de um Golf PD115, que pese embora tenha um sistema de injeção diferente, pode ser usado como referência.
- Extrapolação linear – Para incrementos pequenos, dentro dos 20 30%, podemos utilizar uma “regra de 3 simples” para obtermos uma aproximação realista. Esta extrapolação pode ser feita utilizando como referência os valores originais de quantidade ou com auxílio do mapa de consumo específico ou da eficiência volumétrica.
- Forma empírica – A utilização de um banco de potência poderá servir este propósito. É especialmente útil para aumentos de potência grandes, onde o cálculo dos resultados não é simples nem tão pouco linear.
Comparação directa
Utilizando a hexdump de um Golf IV 1.9 TDI PD115 utilizamos novamente o limitador de binário para poder comparar com o da nossa cobaia, sendo o resultado o seguinte:

Os dados do fabricante para este motor (1.9 TDI PD115 – 1J1) são 115cv @ 4000 r.p.m e de 310nm @ 1900 r.p.m, muito próximo do objectivo traçado para a nossa reprogramação.
Potência máxima | Binário máximo | |
TDI 90 | 90 HP @ 3900 – 32 mg/cyc | 210 nm @ 1900 – 37.5 mg/cyc |
TDI 115 | 115 HP @ 4000 – 43 mg/cyc | 310 nm @ 1900 – 51.0 mg/cyc |
Diferença | 25 cv – 11 mg/cyc | 100 nm – 13.5 mg/cyc |
Extrapolação linear
A extrapolação linear é algo que deve ser executada com cuidado, especialmente em motores com valores de potência e binário bastante mais “espremidas” e podem levar a resultados diferentes dos esperados. Além disto, um motor e os restantes periféricos, como turbo e injectores/bomba injectora, não têm comportamentos lineares, pelo que este tipo de cálculos e experiências devem ser sempre feitas tendo algum bom senso e analisando com critério os resultados.
Potência máxima | Binário máximo | |
Original | 90 HP – 32 mg/cyc | 210 nm – 37.5 mg/cyc |
Alteração | 115 HP – 41 mg/cyc | 300 nm – 53.5 mg/cyc |
Diferença | 25 cv – 9 mg/cyc | 90 nm – 16 mg/cyc |
Extrapolação linear utilizando como referência o motor 1.9 TDI 90HP.
Potência máxima | Binário máximo | |
Original | 250 g/kw-h – 32 mg/cyc | 197 g/kw-h – 37.5 mg/cyc |
Alteração | 250 g/kw-h – 44 mg/cyc | 197 g/kw-h – 51.5 mg/cyc |
Diferença | 25 cv – 12 mg/cyc | 90 nm – 14 mg/cyc |
Extrapolação linear utilizando como referência o mapa de consumo específico.
Muito mais análises podem ser feitas a partir de diferentes motores, como por exemplo o motor 1.9 TDI 110hp, que utiliza 42mg/cyc para produzir 110cv, e desta forma perceber que as 41mg/cyc calculadas pela extrapolação não serão suficientes, mas as 44 mg/cyc calculadas utilizando o mapa de consumo já se aproximam mais da realidade, isto atendendo as 43 mg/cyc do motor PD115. Por outro lado, o binário máximo calculado a partir da extrapolação sugere um aumento de 16mg e utilizando o mapa de consumo já temos uns mais modestos 14 mg/cyc, mais próximos das 13.5 mg/cyc declaradas pelo motor PD115. É importante notar que a extrapolação linear tem um desvio negativo na zona de potência máxima e um desvio positivo na zona de binário máximo, e isto apenas vem comprovar o aviso prévio, não existe linearidade nos motores térmicos, pelo que a minha dica é a seguinte:
A zona de potência máxima é situada numa zona de eficiência menor, pelo que a quantidade obtida por extrapolação linear necessita de um ajuste. Uma das formas é utilizar a diferença de eficiência, que no nosso caso é de cerca de 21% (250 vs 197 g/kw-h) a menos nas 4000 r.p.m. Se aplicarmos isso (+21%) ao nosso aumento (9 mg/cyc) ficamos com cerca de 11 mg/cyc.
A zona de binário máximo é situada numa zona de eficiência maior, pelo que a quantidade obtida necessita de ajuste. Um “truque” de bolso é utilizar, de forma inversa, a mesma percentagem que utilizamos para o incremento, e desta forma retirar 21% ao valor obtido. Aplicando isso (-21%) ao nosso incremento (16 mg/cyc) ficamos com cerca de 13 mg/cyc.
Estes valores aproximam-se de forma fiel aos valores apresentados pelo fabricante para o motor PD115, pelo que, não estando corretos, estarão certamente muito próximos disso, e servirão de base para a nossa reprogramação.
[…] Este artigo vem no seguimento da reprogramação de uma unidade de comando Bosch EDC15, de um Volkswagen Golf 1.9 TDI VP. A primeira parte deste artigo pode ser vista aqui. […]